Monday 22 April 2013

A Cooperação Internacional na Universidade Nacional de Timor-Leste

global education magazine
http://www.globaleducationmagazine.com/a-cooperacao-internacional-na-universidade-nacional-de-timor-leste-contribuicoes-para-a-melhoria-da-educacao-e-desenvolvimento-timorense/


A Cooperação Internacional na Universidade Nacional de Timor-Leste: contribuições para a melhoria da educação e desenvolvimento timorense

Valdir Lamim-Guedes
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Biociências de Rio Claro
e-mail: dirguedes@yahoo.com.br


Carlos Junior Gontijo-Rosa
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas.
e-mail: carlosgontijo@gmail.com

 Disponível para cegos
Resumo: Desde sua independência, em 2002, Timor-Leste busca solucionar vários desafios, como a geração de renda e empregos, melhoria nas condições de saúde, educação e administração pública. O país tem recebido diversas cooperações internacionais. No campo da educação, a principal contribuição vem dos países chamados lusófonos, que têm a língua portuguesa como oficial, especialmente Portugal e Brasil. Neste artigo, apresentamos o relato de nossas experiência no primeiro semestre e 2012, como professores-visitantes na Universidade Nacional de Timor-Leste.
Palavras-chave: Timor-Leste, Educação, Cooperação Internacional, Autodeterminação, Língua Portuguesa.

The International Cooperation at the National University of Timor Leste: Contributions to the Progress of the Timorese’s Education and Eevelopment
Abstract: Since its Independence, in 2002, Timor-Leste search how to solve its challenges, as to create income and jobs, improve health conditions, education and governamental status. The country has been many international aid. At the educational field, the main contribution come from the named Lusophone countries which has the Portuguese language as official, specially Portugal and Brazil. In this paper, we present our experiences’ report at the 2012 first semester as visiting professors at the National University of Timor-Leste.
Key Words: East Timor, Education, International Cooperation, Self-Determination, Portuguese.
“Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!”
Paulo Freire (1921 -1997)

Timor-Leste: um pouco da história de sua autodeterminação
Timor-Leste é um pequeno país do sudeste asiático, localizado entre a Indonésia e Austrália, que tem pouco mais de 1 milhão de habitantes. Alcançou a independência unilateral de Portugal em 1975 e alguns dias depois foi invadido pela Indonésia, que instalou um violento regime ditatorial. Em 30 de agosto de 1999, foi realizado um referendo, organizado pela ONU, para decidir sobre a independência ou integração à Indonésia. O resultado do referendo – mais de 97% de participação popular; 78,5% pela independência – foi seguido por uma onda de violência a que se chamou “Setembro Negro”. Algumas regiões do país tiveram mais de 75% das casas destruídas em setembro de 1999.
Como relata a jornalista brasileira Rosely Forganes, que chegou em Díli algumas semanas após o referendo, apesar do cenário de destruição, ouvia-se pelas ruas “queimado, queimado, mas agora nosso!” (Forganes, 2002, p. 28). A ocupação, mantida à força pelo governo do general Suharto causou, relativamente, um dos maiores genocídios do século XX – com mais de 30% de timorenses mortos direta ou indiretamente pelo conflito (Sakamoto, 2006).
O referendo não foi um acontecimento isolado. Na década de 1980 e início da década de 1990, a situação parecia caminhar para um desfecho em que a comunidade internacional acabaria por aceitar, como fato consumado, a integração do território timorense à Indonésia (Cunha, 2001). No entanto, a guerrilha armada e a pressão da diplomacia exercida pelos timorenses no exílio, além do governo português e a participação dos outros países lusófonos foram forças contrárias ao processo de anexação. Assim como a resistência da população, tanto por contribuir com os guerrilheiros, fornecendo abrigo e comida, como por insistir em manter-se culturalmente diferenciada da Indonésia, por exemplo, falando português e sendo católicos.
Dois fatos importantes no processo que levou a independência foram o Massacre de Santa Cruz (12 de novembro de 1991), repressão violenta da polícia indonésia a uma passeata pró-independência, com mais de 270 timorenses foram mortos, que fez ser hasteada a bandeira em defesa dos direitos humanos. E em 1996, a entrega do Prêmio Nobel da Paz ao Bispo Católico Carlos Filipe Ximenes Belo e à José Ramos-Horta, “pelo trabalho em direção a uma justa e pacífica solução para o conflito em Timor-Leste” (Nobel Prize, 1996).
O referendo de 1999 foi o fim da dominação indonésia e o início de um período de transição para a autonomia. Entre 1999 e 2002, o país foi administrado pela ONU, com a Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET), sendo restabelecida a Independência em 20 de maio 2002.
Apesar da instabilidade inicial, com incidentes em 2006 e 2008, os últimos anos têm sido mais tranquilos, com o crescimento econômico impulsionado pela extração de petróleo. Em 20 de maio de 2012, o Presidente Ramos-Horta passou o controle do país ao general Taur Matan Ruak, ex-chefe das Forças Armadas timorenses. Após o resultado das eleições parlamentares (julho de 2012), houve a formação do novo governo. Durante alguns dias, a população evitou sair de casa e carros foram destruídos. Apesar da tensão, a tranquilidade foi retomada.
Desde 1999, o país tem convivido com a presença da ONU e a cooperação de diversos países, como Portugal, Austrália, Cuba, Japão, China e Brasil em diversas áreas, como infraestrutura, saúde, desenvolvimento agrário e educação. A cooperação internacional tem sido essencial em Timor-Leste, por falta de recursos, tanto financeiros, como humanos, para exercer muitas funções, desde administrativas do Governo, até de formação e implementação de formas de subsistência no país.
A cooperação Brasileira na área educacional em Timor-Leste
O cenário criado pela colonização portuguesa, invasão indonésia, presença australiana e uma cultura riquíssima em termos linguísticos fez com que no Timor-Leste convivam muitas línguas: as oficiais português e tétum, além de mais 31 línguas nativas, inglês e indonésio. No entanto, até o presente momento, nenhuma dessas línguas é falada por toda a população (Pazeto, 2011). O português foi escolhido como língua oficial, junto ao tétum, por sua importância histórica e política – pelo período de colonização e pela resistência contra a ocupação indonésia -, e favorecer a inserção do país no cenário internacional. Por estes motivos, tem sido estimulada a reintrodução da língua portuguesa (Lamim-Guedes e Gontijo-Rosa, 2011). A autodeterminação do povo timorense tem-se configurado com a proteção e estímulo à cultura tradicional e ao incentivo ao uso da língua portuguesa.
A primeira cooperação na área educacional entre Brasil e Timor-Leste se concretizou em 2003, com seis professores enviados oficialmente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), agência do governo brasileiro de fomento a pesquisa científica e ensino superior e pós-graduação. Esta missão objetivou a estruturação de um currículo nacional, a redação da Lei Básica de Educação Nacional e assistência à estruturação de uma política de treinamento de professores (Bormann e Silveira, 2007).
A primeira constatação desta missão foi o reduzido domínio do português por parte dos professores de escolas secundárias, problema especialmente sério porque, como já dito, o português foi reconhecido como língua oficial ao lado do tétum (Bormann e Silveira, 2007). Isto se deve essencialmente a dois motivos: primeiro, a presença portuguesa no período colonial foi reduzida, sendo a língua mais utilizada o tétum; segundo, e mais importante, a Indonésia proibiu o uso da língua portuguesa durante o período de ocupação. Desta forma, a geração com menos de 35 anos, em 2002, não falava ou falava pouco português. Soma-se a isto, a educação de baixa qualidade no país, assim como na Indonésia, com prática conservadoras e pouco didáticas.
As dificuldades das missões sempre esbarram na comunicação, dado o pequeno domínio do português e, muitas vezes, a resistência dos timorenses à presença de estrangeiros (Bormann e Silveira, 2007). Estas dificuldades foram relatadas como comuns às diferentes missões brasileiras na área educacional em Timor-Leste (Santos, 2011). Além disto, a instabilidade em Timor-Leste também foi um complicador, como aconteceu em 2006 e 2008(Pazeto, 2011), ou no caso de julho de 2012, pelas tensões após a formação do novo governo.
Cooperação técnico-científica com a UNTL
Em fevereiro deste ano, chegamos em Timor-Leste com um grupo de 30 brasileiros e 4 portugueses, professores convidados na Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL), a única instituição pública dedicada ao ensino superior no país. Um dos principais objetivos é inserir o ensino em língua portuguesa nos primeiros anos dos cursos desta Universidade, além de melhorias no âmbito técnico e científico.
Faremos uma apresentação geral do que observamos na UNTL e, a seguir, uma descrição de nossas atividades. Ressaltando que, diferentemente dos grupos enviados pela CAPES, esta não era uma cooperação brasileira oficial, mas um projeto que partia da própria Universidade, ou seja, éramos trabalhadores estrangeiros contratados pela UNTL.
Mesmo com aulas de língua portuguesa em toda sua formação escolar, os alunos ainda encontram grandes dificuldades no uso do idioma. O português é visto como língua erudita, restrita ao espaço escolar acadêmico – ainda assim, com ressalvas -, e pouco voltada para a comunicação cotidiana, mesmo nos pátios da UNTL. O mais surpreendente, no entanto, é que os alunos sabem muito da gramática da língua, mas, de modo geral, não são capazes de, satisfatoriamente, interpretar o que leem ou comunicar um pensamento mais elaborado. Isso pôde ser constatado durante as atividades desenvolvidas com os alunos da Faculdade de Educação Artes e Humanidades da UNTL (FEAH-UNTL).
Isto, provavelmente, indica uma abordagem pedagógica autoritarista, voltada para a memorização de informações desconexas com a realidade dos alunos – chamada de “concepção bancária da educação” pelo educador brasileiro Paulo Freire (1987). Segundo esta abordagem, o professor é o único detentor da informação e está disponibilizando parte de seu conhecimento para os alunos, sendo estes meros aprendizes. Pudemos observar que a posição adotada pelos professores timorenses em sala de aula enquadra-se nesta concepção. Além disto, o conhecimento do docente é tido como absoluto, não sendo levada em conta a diversidade de opiniões sobre um mesmo assunto. Com isto, a aprendizagem dá-se basicamente pela memorização de informação, com menor destaque para o desenvolvimento de opinião crítica e de pensamento lógico e abstrato. Somado a isto, boa parte dos docentes utiliza a língua indonésia nas atividades acadêmicas.
O nosso grande desafio em Timor-Leste, portanto, foi tentar ajudar para que os alunos pudessem interpretar os textos que leem, independentemente da disciplina, e analisar de forma livre e crítica a informação disponível. Além disto, buscamos uma relação de diálogo com os alunos, que favorecesse o exercício do debate, exercendo uma abordagem contrária a concepção bancária, ou seja, uma “concepção libertadora da educação” (Freire, 1987).
Além da abordagem educativa opressora, há ainda uma grande carência de material didático, especialmente livros, quer didáticos, técnicos ou paradidáticos. A maior parte do que existe está em língua indonésia e é, geralmente, pouco atualizado. Assim, preparar aulas e material didático que atenda às necessidades e ao domínio do idioma português pelos alunos, constitui outro desafio a ser superado. Apesar do trabalho realizado pelas cooperações portuguesa e brasileira na produção de material didático para o ensino das crianças e jovens, este ainda é raro no ensino superior.
Ao todo, trabalhamos com cerca de 235 alunos dos Departamentos de Química e Física da FEAH-UNTL, distribuídos em duas turmas do primeiro ano e duas do segundo ano do curso de Licenciatura em Química (cerca de 120 e 50 alunos, respectivamente), em uma turma do primeiro ano do curso de Licenciatura em Física (17 alunos) e em cinco grupos dos Encontros de Intercâmbio Cultural em Língua Portuguesa (cerca de 50 participantes entre alunos e professores). Passado um semestre letivo, nossa observação e convívio com os alunos e docentes da UNTL trouxe algumas questões, que gostaríamos de compartilhar.
Língua Portuguesa para a formação do estudante
O primeiro objetivo da Cooperação na UNTL era apresentado no edital de seleção dos docentes para esta cooperação, da seguinte forma: “difundir a língua portuguesa como veículo de ensino, por meio da ampliação do corpo docente lusófono e da paulatina capacitação dos seus quadros no referido idioma” (Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011). Ao chegar em sala de aula, percebemos que a situação dada era um tanto diferente da proposta inicial do projeto. Particularmente nas aulas de Língua Portuguesa, havia apenas uma professora escalada para quase todas as turmas da FEAH-UNTL, professora esta que também ministrava todas as aulas da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas, ao menos oficialmente. Na prática, estávamos em sala de aula só nós e os alunos.
Entre os alunos que conhecem muito bem a Língua Portuguesa e aqueles que mal conseguem estabelecer uma comunicação básica, a grande maioria possui um domínio relativo da língua, sabendo muito bem a parte gramatical, mas tendo sérias deficiências em aplicação na prática de sala de aula e no cotidiano.
Assim, nas aulas de Língua Portuguesa ministradas aos primeiros anos dos Departamentos de Química e Física da FEAH-UNTL, priorizamos a questão do Português como instrumento de ensino e aprendizagem, uma vez que, teoricamente, todas as aulas destas turmas seriam ministradas nesta língua. O enfoque, neste semestre, foi sobre a questão da leitura e da interpretação de textos, pois se buscava a facilitação no acesso às informações, e na redação em trabalhos, provas e TPCs (Tarefas Para Casa). Ao mesmo tempo, por lidar com uma parte da língua mais familiar aos estudantes, a saber, questões semânticas e sintáticas – mas sempre extrapolando-as –, buscou-se deixá-los mais seguros e confiantes, neste primeiro contato com um mundo de novidades, inclusive a própria didática dos professores brasileiros.
Em sala de aula, trouxemos à baila textos científicos ou paracientíficos e textos narrativos, especialmente fábulas. Assim, pensamos que pudemos iniciar um trabalho com as duas principais vertentes interpretativas: a busca da verdade e a “mentira” contida num texto ficcional. Ao lidar com o texto científico, iniciamos o processo de entendimento dos pontos de vista contidos nos discursos científicos, a sua busca pela verdade, a sua incompletude enquanto discurso, por ser um ponto de vista específico, e o papel do leitor, no caso estudante, ao ler um texto desse tipo, buscando contribuir para a formação dos alunos enquanto leitores críticos. Ao lançar mão do texto ficcional, buscou-se a autonomia imaginativa do leitor/aluno perante o texto narrativo. Desta forma, tentamos “libertar” os alunos da literalidade na leitura dos textos, quer científicos, quer ficcionais, legitimando o seu próprio pensamento, instigando e incentivando a também eles serem produtores de conhecimento.
A busca da autonomia no processo de ensino-aprendizagem
Ao comentar a didática dos professores brasileiros, quase diametralmente oposta à dos professores timorenses com que os alunos tiveram contato no ensino primário e secundário, não podemos nos esquecer das discussões desenvolvidas em sala de aula na disciplina Pedagogia do Ensino, ministrada ao primeiro ano do curso de Licenciatura em Física da FEAH-UNTL.
Nesta disciplina, que enfoca as questões de Filosofia da Educação e perpassa a História da Educação, tivemos por opção as aulas expositivo-dialogadas. Mesmo que, por vezes, não conseguíssemos nos aprofundar muito nos assuntos tratados em aula, acreditamos ter sido nesta disciplina que melhor atingimos nosso objetivo. Nosso maior interesse era fazer com que eles criassem e expressassem a sua opinião sobre “dar aulas”.
No início, criamos um programa de ensino que abordaria princípios básicos, mas de difícil compreensão, como pedagogia, filosofia, educação. Nestas aulas, mais expositivas, houve sempre de nossa parte uma instigação ao diálogo. Quando já havia uma familiaridade maior conosco, mudamos o direcionamento das discussões para assuntos mais concretos: o que é o professor?, qual é o papel do aluno?, o que é ensinar? Sempre estabelecendo a discussão a partir do material dado, mas também a partir do próprio pensamento dos alunos sobre os temas, ainda de forma geral.
Seguindo a ementa da disciplina, que prevê a “aplicação de tais conceitos nas atividades pedagógicas realizadas em sala de aula”, iniciamos o diálogo sobre as suas opiniões acerca da nossa forma de ensinar. Qual não foi a nossa surpresa quando, pela primeira vez, houve uma opinião contrária em sala de aula. Uma das alunas decididamente não concordava com a nossa didática. Evidentemente que ela não disse isso com todas as palavras, pois o medo que eles tinham da figura do professor ainda era muito grande, mas ela deu a entender, muito claramente, isto. A partir de então, legitimando a posição da opositora, conseguimos começar a estabelecer as discussões sobre autonomia.
Ao final da disciplina, que foi satisfatório para ambas as partes, a mensagem a que chegamos, juntos, foi de que “o professor deve fazer aquilo que for melhor para que o seu aluno aprenda”. Não houve grandes mudanças de pensamento ou de vida, mas uma ideia foi plantada. Este era nosso objetivo.
Ações educativas sobre meio ambiente e química
Em 2006, foi elaborada a Carta de Brasília pelos países membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), documento que propõe um pacto de cooperação para superar os desafios dos problemas ambientais. Segundo o documento, é imprescindível a formação de profissionais para atuarem no enfrentamento de desafios como mudanças climáticas, fontes renováveis de energia, desastres ambientais, biodiversidade, recursos hídricos, gestão de zonas marinhas e costeiras, ameaças ambientais à saúde humana, desertificação e efeitos da seca, todos apontados na Carta. A educação ambiental foi definida como a primeira das prioridades.
Propõe-se, portanto, desenvolver a formação em educação ambiental numa perspectiva histórico-crítica através de atitude dialógica e com uma abordagem teórico-prática sobre os problemas ambientais de Timor-Leste e as suas relações com o mundo globalizado. Seguimos, portanto, a concepção de temas transversais proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997). Ética, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho, consumo e saúde, os temas transversais, expressam conceitos e valores básicos à democracia e cidadania. Tratá-los de forma transversal quer dizer que eles devem permear todas as discussões travadas em sala de aula.
Neste sentido, durante as aulas de Português Específico – disciplina do segundo ano do curso de Licenciatura em Química, voltada para a melhora na compreensão do português técnico – eram lidos e debatidos textos sobre problemas ambientais que afetam a comunidade timorense, como mudanças climáticas e o aumento de eventos extremos, poluição da água, saneamento ambiental, produção de alimentos, problemas que fazem parte do cotidiano dos alunos. Por exemplo, na capital Díli, o esgoto corre em valas a céu aberto, fator que gera poluição da água e risco de transmissão de doenças.
Na disciplina Química Geral, ministrada aos alunos do primeiro ano do curso de Licenciatura em Química, o debate sobre meio ambiente foi um pouco mais complicado, pelo conteúdo da disciplina, mas realizado quando possível. Parte importante nesta disciplina foi dedicada à alfabetização científica dos alunos, ou seja, o estímulo à apropriação do conhecimento, entendimento e habilidade requeridos para uma atuação efetiva na vida cotidiana, em função da importância do papel da ciência, da matemática e da tecnologia na vida moderna (CAZELLI et al., 2003, p. 84). Foram realizadas leituras, debates e atividades nas quais ressaltava-se como a ciência é feita, sua natureza dinâmica e que o conhecimento é constantemente alterado e testado.
Ao fim do período, foi possível discutir de forma mais concreta com os alunos a importância que eles poderão ter “para desenvolver a nação Timor-Leste” – frase muito repetida por eles. Acreditamos que boa parte disto foi possível através da troca de opiniões dos alunos com os professores em sala de aula. Com isto, estimulamos a opinião crítica dos estudantes, essencial para o amadurecimento da recém-estabelecida democracia timorense.
Atividades voluntárias
A atividade que mais suscitou questionamentos sobre a nossa atuação dentro da comunidade acadêmica timorense foi o convite feito pela Associação Discente do Departamento de Química (ADDQ) para ministrar aulas aos alunos dos demais anos, interessados em aprender português. Como já dito, nosso contrato previa apenas o ensino nos primeiros anos dos cursos de Graduação da referida Universidade.
O convite, feito aos professores brasileiros do Departamento de Química, era para que ministrássemos aulas de português. Mas, com a nossa formação e os mais diferentes níveis de aprendizado da língua entre os alunos, buscamos métodos alternativos para trabalhar aquilo que sentíamos importante para o melhor aproveitamento dos alunos. Iríamos falar em português (atividade pouco praticada pelos timorenses), para melhorar a comunicação, e ler, para aprender a interpretar um texto, de forma que o discurso dos alunos não se tornasse mera reprodução de frases ou, pior, uma compreensão errônea do conteúdo dos textos.
A organização das oficinas, a que chamamos de Encontros de Intercâmbio Cultural em Língua Portuguesa, foi pensada tendo em vista as nossas capacidades e pontos de vista em relação ao uso da língua, mas também visando os objetivos explicitados pelos alunos, especialmente na figura do então Chefe da ADDQ, Joanico da Costa Soares. Parafraseando o estudante, o pedido foi direcionado aos professores brasileiros porque, em breve, os então estudantes seriam professores do ensino primário e secundário, onde as aulas tem que ser ministradas em português, sabiam que o ensino em língua portuguesa é importante para firmar o país e gostariam de fazer o melhor possível, para o desenvolvimento da nação. O discurso, por vezes parecendo decorado, está arraigado no falar de todos os alunos com que tivemos contato. Se verdadeiro ou falso, legítimo ou forçado, fato é que o pensamento existe e se tenta colocá-lo em prática – mesmo que de forma discutível, em alguns casos.
Ao longo destes encontros, que teve um número variável de participantes, pudemos deixar os conteúdos mais maleáveis, trabalhando a produção de textos e, sempre, a autonomia do pensamento. Por serem atividades não curriculares, buscamos uma abordagem mais leve, para facilitar e suscitar o diálogo entre alunos, professores brasileiros e professores timorenses, que também se dispuseram a participar, como “alunos”, dos encontros.
Nestes Encontros, nas aulas de Química Geral e Português Específico, lançamos mão da utilização da música no processo de aprendizagem, com a intenção primeira de mostrar aos alunos que qualquer elaboração discursiva deve conter, em si, um vasto conjunto de conhecimento, articulado de acordo com uma linha de raciocínio. Assim, por exemplo, nos Encontros, através da música Fogo e Gasolina, cantada por Lenine e Roberta Sá, pudemos vislumbrar quanto conhecimento (mesmo que básico e, para nós, comum ou até banal) de ciências esteve envolvido na elaboração da poesia e da música, através das metáforas de conjuntos “explosivos” elencadas na letra da canção.
O clima de descontração da atividade, em nossa avaliação, não prejudicou a prática da língua. Além do que, com os diálogos mais abertos, pudemos exercer a verdadeira função de uma sala de aula, que é a troca de saberes entre os envolvidos na prática, ou seja, também nós ganhamos muito, por aprendermos um pouco sobre a cultura timorense. Por outro lado, pudemos contribuir para a desmistificação da língua portuguesa, tida entre os timorenses como língua culta, de elite e acadêmica. Aproximando a língua de sua função primordial, a comunicação, quisemos contribuir, também nós, para a autodeterminação deste povo através dos seus veículos culturais.
Sentimos a obrigação de sempre reforçar que apenas corroboramos a questão da autodeterminação demonstrada por parte dos estudantes e também professores dos Departamentos em que lecionamos e comentada acima. Buscamos contribuir, com admiração e respeito, para que a cultura local fosse valorizada pelos estrangeiros e pelos próprios timorenses. Acreditamos que o espírito de cooperação pressupõe a troca de informações e expectativas sobre os nossos países, mas repudiamos tentativas, conscientes ou inconscientes, de qualquer tipo de dominação ou imposição cultural.
Desafios timorenses
Os indicadores sociais preocupam: a taxa de crescimento populacional é a mais elevada na região e a incidência da mortalidade infantil, embora tenha melhorado, continua alta em relação a outros países da região. O país não produz alimentos suficientes para satisfazer o consumo mínimo diário, estimando-se que aproximadamente 350 mil pessoas estão na faixa de insegurança alimentar. A situação de determinados segmentos da população também foi se deteriorando: as disparidades de gênero e na educação estão aumentando e as oportunidades para a juventude urbana são particularmente limitadas, com o desemprego dos jovens urbanos em 44%. Além disto, novos problemas batem a porta, como as mudanças climáticas, que trazem alterações ao clima da região.
O cenário riquíssimo em termos linguísticos fez com que no Timor-Leste convivam muitas línguas. Neste sentido, a preservação da cultura do povo timorense é outro desafio para as próximas décadas. Muitos criticam a política linguística timorense, militando em favor do inglês como língua oficial. A estas, Ramos-Horta (2012) responde que a utilidade regional ou global de um idioma não conduz à conclusão de que devemos abandonar as nossas raízes históricas e culturais, adotando-o como língua oficial.
A conclusão que tiramos é que, independente da área do conhecimento, a melhor cooperação que talvez possamos exercer será contribuir para que os alunos possam ser senhores de seus destinos, que sejam críticos, até mesmo para decidirem se querem ou não estudar em português.
O povo timorense é um exemplo de persistência e coragem pela busca de sua autodeterminação. E este povo terá que permanecer muito corajoso e unido para conseguir melhorar as condições de vida e desenvolver a economia, de forma que o país possa ser mais independente da renda do petróleo.
“A gente pobre daquela esquina do mundo enfrentou por um quarto de século um dos maiores exércitos do planeta sem o apoio de quase ninguém e venceu. É possível tirar algumas lições de lá para a nossa realidade. A periferia do mundo enfrenta um período decisivo. Se puder se unir em torno de um mesmo inimigo – a pobreza, suas causas e causadores – conseguirá também se libertar e ser realmente independente” (Sakamoto, 2012).
Vida longa ao Timor independente!

Referências Bibliográficas
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