Sunday 11 August 2013

‘Amistad’: O navio negreiro, porão do liberalismo

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‘Amistad’: O navio negreiro, porão do liberalismo

A ironia, ou pior, o cinismo que movimenta a história humana batiza o navio negreiro com o fraterno nome de ‘Amistad’ (1997), filme dirigido por Steven Spielberg. Os escravos, a quem a ideologia reacionária chama de passivos e resignados, se rebelam no porão infecto. Sangue europeu começa a jorrar. Por Flávio Ricardo Vassoler

O navio negreiro singra através do Atlântico. Em seu porão, os cativos mal conseguem se esgueirar. A fome e as correntes os paralisam. Em meados do século XIX, a Inglaterra, polícia dos mares, havia decretado a proibição do tráfico de escravos. A mãe da Revolução Industrial queria o implemento do livre comércio e do trabalho assalariado para que suas manufaturas pudessem colonizar o mundo de um modo menos bárbaro – os feitores dão lugar aos industriais e financistas. Só faltou avisar aos ingleses que seu vastíssimo império colonial, ao longo de cujo horizonte o sol não se punha, tamanha a sua extensão de oeste a leste do planeta, não poderia participar dos primórdios do liberalismo em pé de igualdade com os gentlemen de Londres. Mas se, como quer Adam Smith, a mão invisível conduz as relações de mercado a um bom termo de equilíbrio, a vista grossa permite que o livre comércio seja forjado sobre o dorso cativo da África. 

A ironia, ou pior, o cinismo que movimenta a história humana batiza o navio negreiro com o fraterno nome de ‘Amistad’ (1997), filme dirigido por Steven Spielberg. Os escravos, a quem a ideologia reacionária chama de passivos e resignados, se rebelam no porão infecto. Sangue europeu começa a jorrar. Logo os espanhóis que comandam o barco viram reféns. Os cativos libertos por seu próprio destemor querem voltar para casa. Mas eles não conhecem as técnicas náuticas e precisam confiar nos antigos algozes para que o navio retorne. Ora, os espanhóis dolosos conduzem o Amistad rumo aos Estados Unidos escravocratas. A rebelião negra logo será julgada por magistrados brancos. 

As queixas e contradições se sobrepõem. A rainha da Espanha sentencia que os escravos lhe pertencem. Os comandantes espanhóis dizem que os cativos haviam nascido em Cuba, colônia espanhola, e que, por isso, “nós não estamos exercendo a prática ilegal do tráfico negreiro. Assim, os escravos nos pertencem”. Os marinheiros norte-americanos, por sua vez, declaram que foram eles que identificaram o barco – “navio negreiro, sem dúvida” – e que, por isso, “somos os novos proprietários da mercadoria humana”. Os mais interessados na questão não podem se pronunciar. Os escravos assistem ainda uma vez acorrentados à deliberação alheia de seu próprio destino. 

O contexto histórico em que a disputa judicial se dá não poderia ser mais explosivo. O judiciário se vê premido pelas demandas do executivo, uma vez que o presidente procura manobrar a questão para evitar um recrudescimento das rivalidades entre o norte industrial e o sul escravista. O espectro da guerra civil ameaça cindir os Estados Unidos. 

− Mas esses negros devem ser punidos, eles chacinaram os brancos que os conduziam para Cuba, onde está a justiça neste país?! – berra o promotor que bem poderia iniciar um abaixo-assinado (extra)oficial para a formação da futura Klu Klux Klan. 

Além do ódio pelos sequestradores que lhes transformaram de homens livres em escravos, que mais teria insuflado o ímpeto de vingança dos cativos contra seus algozes? 

A armada inglesa, polícia dos mares, prendia os traficantes de escravos Atlântico afora. Quando os espanhóis se deram conta de que as tropas da rainha Vitória se acercavam do navio, um velho expediente foi utilizado para que o fardo humano transportado pelo Amistad não ultrapassasse os limites legais para o enquadramento da carga como um contingente de escravos. Entre os 100 africanos, 50 são escolhidos – seleção eugênica que aguilhoa sobretudo mulheres e crianças, os menos aptos para o trabalho na lavoura. (Os nazistas, parentes não tão distantes dos escravocratas, herdariam dos ancestrais o ímpeto pela seleção natural historicamente configurada.) Os 50 mais fortes devem se postar como plateia para aprender in loco a pedagogia do pelourinho. Os escolhidos são acorrentados uns aos outros. Uma rede repleta de pedras pesadíssimas puxará o comboio humano oceano abaixo. Quando o algoz espanhol abre um compartimento do convés e arremessa a rede repleta de pedra contra o mar, um a um os escravos são afogados. (Enquanto os fazendeiros sulistas dormem o sono dos justos e contam carneirinhos tão brancos quanto o algodão colhido por seus escravos, os africanos sobreviventes contam, uma a uma, as 50 ovelhas negras afogadas como bodes expiatórios.) Reiteremos, agora, a acusação (aos berros) do promotor de justiça: 

− Esses negros devem ser punidos, eles chacinaram os brancos que os conduziam para Cuba, onde está a justiça neste país?! 

Quando a senzala incinera a casa grande e transforma o Mississippi em chamas, apenas ocorre a devolução da nota promissória que sequer foi entregue àqueles condenados a trabalhar gratuita e compulsoriamente. 

Mas eis que o liberalismo dos fundadores dos Estados Unidos da América agora se expressa na figura do ilustre John Quincy Adams, sexto presidente dos Estados Unidos e filho do também presidente John Adams. Adams Jr. vem à tona como advogado de defesa dos cativos da Amistad espanhola. Em suas mãos, há um artigo de um político sulista que procura legitimar a escravidão. O ex-presidente dos EUA, como Sócrates, narra a cadeia de argumentos contrários antes de refutá-la cabalmente: 

− Diz o sulista em questão que a escravidão não é contrária à natureza humana, pois para onde quer que olhemos, seja para a história mundana, seja para os textos bíblicos, encontraremos exemplos que atestam que sempre houve subordinação entre os homens – líderes e liderados, senhores e escravos. Hierarquia. Assim, a escravidão não é pecaminosa ou má, mas a corroboração da tradição histórica, sua mais coerente expressão. 

John Quincy Adams, rematado orador, cala as palavras por um sutil lapso de tempo para que os jurados e os espectadores se preparem para – e anseiem por – sua contraposição:

− No entanto, o político sulista agora não mais em questão, mas em xeque, não consegue explicar por que os homens só fazem se rebelar quando se veem privados de sua propriedade mais natural, qual seja, a liberdade. Do contrário, não haveria choro, ranger de dentes, fúria e revolta diante dos feitores. Os homens aceitariam o quinhão do cativeiro de bom grado. Mas a experiência – o mesmo transcurso histórico advogado pelo sulista escravocrata – me autoriza a dizer que o homem vem da liberdade e para ela sempre propende. Tudo o mais é fruto da tirania e do arbítrio que pretende transformar a lógica de uns poucos no cárcere de quase todos. 

Hollywood e suas pesquisas de mercado – essenciais para transformar filmes em demandas artísticas que ratifiquem em termos de bilheteria os investimentos milionários – gostam da grandiloquência que leva o público às lágrimas. A realidade ficcional realiza a justiça para que a realidade histórica permaneça e se reproduza tal como está. Que dizer sobre o liberalismo de John Quincy Adams quando sabemos que o ex-presidente foi um dos principais idealizadores da Doutrina Monroe? Assim falou o presidente James Monroe: “Julgarmos propícia esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os direitos e os interesses dos Estados Unidos, que os continentes americanos, em virtude da condição livre e independente que adquiriram e conservam, não podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização por nenhuma potência européia”. O México, a América Central e a América do Sul bem sabem que a polícia do continente deixou de ser europeia para se tornar estanunidense. A América para os americanos – do norte. Mas, a despeito do entretenimento administrado de Hollywood, o liberalismo abolicionista foi o primeiro aríete para a luta pelos direitos civis nos EUA sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. O judeu Steven Spielberg bem sabe que a lógica do navio negreiro escreveu o prefácio histórico para as câmaras de gás de Auschwitz, Dachau e Treblinka. Nesse sentido, ‘Amistad’ não nos traz apenas a cínica contiguidade entre a amizade e a escravidão, mas insufla ar redivivo para pensarmos, narrativamente, sobre feridas históricas que nossos tempos ainda não conseguiram cicatrizar. 


*Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo. 

Thursday 8 August 2013

A luta silenciosa dos awá – e como apoiá-la

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A luta silenciosa dos awá – e como apoiá-la

130805-Salgado5Governo anuncia, enfim, operação para proteger território de índios nômades, quase desconhecidos e ameaçados por madeireiros. Para que iniciativa saia do papel, sociedade precisa pressionar
Por Taís González | Imagens: Sebastião Salgado
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu neste domingo (4/8): ainda neste semestre, segundo ele, o Estado brasileiro desencadeará operação conjunta para proteger os Awás-Guajás e seu território, no que resta do Floresta Amazônica no Maranhão. Ramo da etnia tupi, foram perseguidos intensamente, a partir do século 18. São quase desconhecidos pelos demais brasileiros. Estão reduzidos a cerca de 400 indivíduos – alguns dos quais isolados, sem contato algum com ocidentais. Ocupam um território de 116 mil hectares, um pouco menor que o município de São Paulo. São cada vez mais pressionados por madeireiros que destroem a selva, atacam os índios, transmitem doenças e já resistiram, a bala, a tentativas anteriores de desocupação pelo Estado.
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Povo quase dizimado, os Awá-Guajá não dominam o português, a agricultura e mal conhecem o valor do dinheiro. Vivem exclusivamente da floresta – como caçadores e coletores de frutas e mel. O fotógrafo Sebastião Salgado acaba de publicar uma série de fotos que fez com eles, com quem viveu por três semanas. Praticamente abandonados pelo Estado, foram considerados a “tribo mais ameaçada do mundo”, pela organização International Survival, que luta pela proteção de grupos indígenas isolados..
130805-Salgado3Atualmente, os Awás, juntamente com as etnias Ka’apor e Tembé, ocupam três áreas no Maranhão: a Terra Indígena Alto Turiaçu, a Terra Indígena Awá e a Terra Indígena Carú, formando um mosaico. Seu território, a Reserva Biológica do Gurupi, foi demarcada ainda em 1961, no governo Jânio Quadros – mas nunca protegido. A pressão dos madeireiros ilegais cresce, a ponto de terem emboscado Polícia Federal e Força Nacional, ano passado. Além disso, os índios são afetados pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), e pelo Programa Grande Carajás. Implantado nos anos 80, ele dividiu a Reserva do Gurupi e atraiu os invasores.
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Os awás sentem os impactos do desenvolvimento. O silêncio na mata é fundamental para caçar, mas, por conta das motosserras e da ferrovia, os animais fogem e o que se escuta é o som da destruição. As aldeias mais próximas da via-férrea estão na Terra Indígena Caru e são as aldeias Awá e Tiracambú, distantes cerca de 1,1 km e 1,7 km, respectivamente.
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O futuro - Os Awá são considerados pela Funai um grupo de “contato recente”, o que sugere ser um coletivo que viva dentro de uma TI (Terra Indígena), cuja língua e modos de vida estão bastante ativos. Por isso, necessitam de auxílio e atenção especiais. A falta de uma política específica para este povo, leva a crer que grupos isolados, tão logo contatados, sejam também entregues à própria sorte, tal como estão as comunidades de contato recente.130805-Salgado9Estimativas apontam que, pelo menos, de 30% a 40% da reserva dos Awá esteja destruída pelo desmatamento. Entretanto, é impossível calcular a real dimensão do desmatamento, já que diversas espécies de árvores nobres são derrubadas no sistema “seletivo”, quando a floresta parece intocada, porém, as árvores previamente selecionadas são retiradas. Além dos madereiros e empresários, os Awá convivem hoje com outras ameaças, como os posseiros e os fazendeiros.
Recentemente o Exército desembarcou na região com 700 homens, numa operação com o Ibama, para reprimir o ataque à floresta e a produção de maconha em terras indígenas, reascendendo a esperança. O que encontraram foram abundantes provas do crime de desmatamento.130805-Salgado2Segundo o ministo da Justiça, a “desintrusão” – retirada dos não-índios do território – já está desenhada. Denomina-se “Operação Awá” e será executada em breve. Participarão Polícia Federal, Força Nacional, Funai e Incra. Camponeses que vivem na área há décadas, sem envolvimento com a mineração, serão encaminhados a assentamentos de reforma agrária.
Será suficiente? As décadas de descaso estatal, numa área de tamanho relativamente reduzido, permitem duvidar. Mas haverá diversas formas de acompanhar o assunto e pressionar o Estado brasileiro, nos próximos meses. Uma forma, ainda que singela, de agir desde já, é assinar, no site da Survival International, uma carta endereçada ao ministro da Justiça. Outras Palavras acompanhará o tema.
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Violência contra índios - O número de casos de “violência contra a pessoa” (ameaças de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporal e violência sexual), que têm como alvo indígenas aumentou 237% em 2012, em relação ao ano anterior. Os dados foram publicados no “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Diariamente índios são vítimas de discriminação, preconceito e marginalização. Sofrem todo tipo de violência, não bastasse o genocídio ocorrido há séculos. Por meio de constantes tentaivas de mudanças na Constituição Federal, como é o caso das PECs 215, 038, 237, do PL 1610 (mineração) e das portarias 303 e 308, seus direito são também violados por quem tem o dever de protegê-los, o Estado brasileiro.

Nas quebradas, derrubar muros não é vandalismo – é resistência

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O dia em que os moradores do Moinho, em S.Paulo, liquidaram a cerca que os isolava do resto da cidade
Por Leonardo Sakamoto, em seu blog
Com marretas em punho, moradores da favela do Moinho, na região central de São Paulo, derrubaram parte de um muro de contenção em torno da comunidade para criar uma nova rota de fuga neste domingo (5). Erguido em 2011, após um incêndio atingir o local, sob a justificativa de ser uma medida de segurança, ele é visto por moradores como uma forma de conter o avanço da própria comunidade sob outros imóveis da região – que se tornou alvo de incorporadoras nos últimos anos.
Ao invés de muros, os moradores exigem regularização fundiária e urbanização com participação popular nas decisões. Acreditam que essa é a solução para os incêndios “espontâneos” que atingiram a favela em 2011 e 2012. Lembrando que, em São Paulo, as favelas em locais de interesse imobiliário cismam em pegar fogo sozinhas.
Tirei a foto de um buraco no muro da USP, que circunda a universidade, observando a favela do Jardim São Remo, tempos atrás. E por que a USP possui um muro? Talvez para as plantas não fugirem – sabe como são danadas essas ervas daninhas. Talvez para impedir a horda de bárbaros de entrarem e atrapalharem esse templo dos “homens e mulheres de bem”, que consideram privado um bem público. Na época em que estudava e trabalhava por lá, tinha vergonha louca disso. A USP é um orgulho para a nação e aos domingos você pode contemplá-la de bicicleta na ciclofaixa que passa por seu portão, mas não tem coragem de entrar. Sempre de longe, é claro, e sem tocar – por favor. Vai que quebra.
O castelo em que a USP se tornou quando, em nome da segurança, fechou-se para São Paulo aos domingos, é similar a outros encastelamentos que surgiram com o objetivo de segregar. A cidade possui uma área mais rica e urbanizada em seu chamado “centro expandido”, cercada pelos rios Tietê e Pinheiros, e uma periferia mais pobre. Os moradores da área protegida pelas muralhas vivem em relativo conforto e segurança em comparação com quem mora do lado de fora, que sobrevive trabalhando para o burgo. A Idade Média é aqui e agora.
São Paulo, ao longo dos séculos, foi se aprimorando na arquitetura e no urbanismo da exclusão. O tema não é exatamente novo e ocupou espaço na mídia, por exemplo, quando gênios resolveram implantar no complexo viário da avenida Paulista as chamadas rampas antimendigo: grandes blocos de concreto que impedem o povo de rua de montar sua casinha imaginária para se proteger do tempo e do mundo. E proteger, dessa forma, a “gente de bem” – menos pelo número de assaltos nas longas pausas dos congestionamentos e mais pela agressão terrível ao senso estético do paulistano (sic).
As mudanças no traçado da futura linha 6-laranja metrô após reclamações de moradores do rico bairro de Higienópolis teve o objetivo claro de excluir, mais do que aproximar, alimentando mais ainda a ignorância que gera a intolerância, o medo e as cercas eletrificadas que circundam casas e apartamentos de luxo. Cercas que se voltam contar seu criadores e tornam a vida de quem está lá dentro também uma prisão.
Logo após a fundação da vila de São Paulo de Piratininga, José de Anchieta, com a ajuda de índios catequizados, ergueu um muro de taipa e estacas para ajudar a mantê-la “segura de todo o embate”, como descreveu o próprio jesuíta. Sim, São Paulo já foi uma cidade fisicamente murada. Os indesejados eram índios carijós e tupis, entre outros, que não haviam se convertido à fé cristã e, por diversas vezes, tentaram tomar o arraial, como na fracassada invasão de 10 de julho de 1562.
Ao longo dos anos, a vila se expandiu para além da cerca de barro, que caiu de velha. Vieram os bandeirantes – hoje considerados heróis paulistas (cada lugar tem o herói que merece) -, que caçaram, mataram e escravizaram milhares de índios sertão adentro.
Da África foram trazidos negros, que tiveram de suportar árduos trabalhos nas fazendas do interior ou o açoite de comerciantes e artesãos na capital.
No início do século 19, a cidade tornou-se reduto de estudantes de direito, que fizeram poemas sobre a morte e discursos pela liberdade. Depois cheirou a café torrado e a fumaça de chaminé, odores misturados ao suor de imigrantes, camponeses e operários.
Mas, apesar da frenética transformação do pequeno burgo quinhentista em uma das maiores e mais populosas metrópoles do mundo, centro financeiro e comercial da América do Sul, o espírito do muro de taipa se manteve. Ele, às vezes, se materializa na forma de barreiras de contenção para o “próprio bem” de uma comunidade, por mais que aumente as chances das pessoas morrerem queimadas por falta de saídas em caso de incêndio. Na maior parte do tempo, contudo, permanece invisível, impedindo o acesso dos excluídos à cidadania plena do burgo paulistano. Seja impedindo sua mobilidade, empurrando-os para morar de forma insalubre nas franjas da cidade, negando educação e saúde de qualidade, seja tratando pobres como lixo em espaços públicos centrais, deixando claro que eles não são bem-vindos por lá.
Por isso, a imagem dos moradores marretando o muro é, em si, libertadora. Ao colocarem abaixo aquele pedaço de cimento e blocos estão, em verdade, rasgando o outro muro, invisível, esse muito mais alto e forte, que os separa de sua cidadania. Reafirmam, com isso, para o restante da sociedade que, não só existem, como não irão desistir até que sejam atendidos em suas justas demandas.
Li na internet comentários que afirmavam ser a derrubada do muro da favela do Moinho uma ação de vandalismo público. A meu ver, foi um ato de resistência. Interessante como a liberdade e a dignidade de uns se tornam o medo de outros, não?

Monday 5 August 2013

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5 de agosto - último dia de submissão de trabalhos
mais de 4 mil acessos num só dia!!!




Saturday 3 August 2013

Brasil: Geopolítica e Desenvolvimento

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Brasil: Geopolítica e Desenvolvimento

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130801-Brasil
Por que esforço de afirmação internacional do país é titubeante? Que arranjos geopolíticos ele precisaria desafiar? Quais as resistências internas? 
Por José Luis Fiori

“A impotência dos economistas não é culpa da economia,
é culpa do ‘desenvolvimento’
que não cabe dentro dos limites estreitos da própria economia.”
J.L.Fiori, Poder, Geopolítica e Desenvolvimento, Editora Boitempo (no prelo)
1. Na primeira década do século XXI, o Brasil começou a trilhar uma estratégia de afirmação internacional que retoma iniciativa proposta e interrompida na década de 60. De maneira ainda titubeante, o Brasil vem expandindo sua presença em alguns tabuleiros geopolíticos e vem tentando aumentar sua capacidade de defesa autônoma de suas reivindicações internacionais. A nova estratégia foi definida pelo Plano Nacional de Defesa, e pela Estratégia Nacional de Defesa, aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008, respectivamente. Nos dois documentos, o governo brasileiro propõe uma política externa que integre suas ações diplomáticas com suas politicas de defesa e de desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo introduz um conceito inovador na história democrática do país, o conceito de “entorno estratégico”, onde o Brasil se propõe irradiar, de forma preferencial, a sua influência e a sua liderança, incluindo a América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida, e a bacia do Atlântico Sul.
2. Um país pode projetar o seu poder e a sua liderança, fora de suas fronteiras nacionais, através da coerção, da cooperação, da difusão das suas ideias e valores, e também, através da sua capacidade de transferir dinamismo econômico para sua “zona de influência”. Mas em qualquer caso, uma política de projeção de poder exige objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agencias responsáveis pela política externa do país, envolvendo a diplomacia, a defesa, e as políticas econômica e cultural. Sobretudo exige uma sociedade mais igualitária e mobilizada, e uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, em conjunto com os atores sociais, políticos e econômicos relevantes.
3. Ao contrário de tudo isto, desde a II Guerra Mundial, e mesmo depois do fim da Guerra Fria, até o início do século XXI, a política externa brasileira oscilou no tempo, mudando seus objetivos imediatos segundo o governo, apesar de que tenha mantido sempre seu alinhamento – quase automático – ao lado das “grandes potências ocidentais”. E mesmo hoje, apesar da posição do governo, existem divisões e resistências profundas, dentro de suas elites e dentro de suas agencias governamentais, que seguem retardando a consolidação efetiva da nova estratégia brasileira. Como se o sistema político, a sociedade e a intelectualidade brasileira ainda não estivessem preparados para assumir os objetivos definidos pelos documentos oficiais. A própria universidade brasileira só expandiu recentemente sua capacidade de pesquisa e formação de recursos humanos na área internacional. E algumas universidades do país não possuem nem centros nem unidades especializadas, como é o caso surpreendente da UFRJ, a maior universidade federal do país. Além disto, existe uma carência acentuada de instituições ou think tanks que cumpram o papel de reunir as informações e as ideias indispensáveis para o estudo e a escolha de alternativas, e para a orientação inteligente da inserção internacional do país.
4. De qualquer maneira, se o Brasil conseguir sustentar suas novas posições, terá que se enfrentar inevitavelmente com uma regra fundamental do sistema: todo país que se propõe ascender à uma nova posição de liderança regional ou global, em algum momento terá que questionar os “consensos éticos”, e os arranjos geopolíticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potencias que já são ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. Esta regra não impede o estabelecimento de convergências e alianças táticas, entre a potência ascendente com uma ou várias das antigas potências dominantes, mas exige que a potência ascendente mantenha seu objetivo permanente de crescer, expandir e galgar posições, dentro do sistema internacional. Isto não é uma veleidade ideológica, é um imperativo do próprio sistema interestatal capitalista: neste sistema, “quem não sobe cai”[i].
5. Mesmo assim, sempre existirá um imenso espaço de liberdade e de invenção revolucionária para o Brasil: descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de “destino manifesto”, sem utilizar a violência bélica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo que seja, para “convertê-lo”, “civilizá-lo”, ou simplesmente comandar o seu destino.

[i] Elias, N. (1993), O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, p :94

Portugal à espera do Basta!

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Portugal à espera do Basta!

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Em março, 1,5 milhão de pessoas protestaram contra “austeridade”. Repetirão gesto agora?
Boaventura Santos analisa crise política e vislumbra alternativa institucional para ela, mas adverte: será necessária ação catalisadora das ruas
Por Boaventura de Sousa Santos
A última cambalhota do presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, mostra que o país atravessa um momento de irracionalidade tal que torna tudo imprevisível. Os decisores políticos não são irracionais mas as condições em que se resignam a operar obrigam-nos a agir como se fossem. Para serem coerentes, as decisões políticas têm de ter um só ponto de referência. Em democracia, esse ponto é a vontade dos cidadãos, e os conflitos decorrem das diferentes interpretações dessa vontade. Atualmente, em vez de um, há dois pontos de referência: a vontade dos cidadãos e a vontade dos mercados financeiros. Nas condições presentes, as duas são inconciliáveis.
Cavaco Silva disse numa semana que era fácil conciliá-las e, na seguinte, que só a vontade dos mercados conta. Um decisor deste tipo acabará por “ser decidido” por fatores que o ultrapassam e que não pode prever. Dada a irracionalidade instalada, tais fatores, vistos de fora, são afinal os mais previsíveis. Vou-me referir a alguns deles.
1. Em condições de tutela internacional, quem decide não é quem diz decidir e quem tem poder para decidir não revela motu proprio os limites do seu poder. Por isso, as alternativas ou a capacidade de manobra concretas só se revelam aos que se dispuserem a questionar a tutela. Tal questionamento implica, neste caso, ter a vontade dos cidadãos como único ponto de referência. Se tal questionamento ocorrer, será possível prever uma agenda concreta pautada pelo seguinte. O que há meses era evidente apenas para os dissidentes é hoje evidente para todos os governantes europeus: as políticas de austeridade estão a conduzir ao desastre a Europa e não apenas os países do sul; nos EUA, donde veio a ortodoxia econômica e financeira que nos domina, o Estado não tem qualquer problema em intervir na economia sempre que o mercado descarrila; a dívida, no seu atual montante, é impagável; é técnica e politicamente complicado mas possível recomprar parte da dívida abaixo do valor nominal com total proteção da dívida que não pode ser tocada; o mesmo se diga de uma moratória ao pagamento do serviço da dívida, enquanto durar uma negociação com os credores; a mutualização europeia da dívida já está em curso e deve ser aprofundada; várias condições do memorando da troika têm de ser alteradas em função das mudanças macro-econômicas; em diferentes momentos foi isto que fizeram outros países sufocados pela dívida, nomeadamente a Alemanha; é de todo legal que o Estado acione os poderes que a crise lhe conferiu (depois de lhe tirar muitos outros); assim, o Estado, ao recapitalizar alguns bancos, tornou-se o acionista maioritário e pode acionar os poderes que tal posição lhe confere, sem extrapolar do direito privado; o Estado pode introduzir por essa via alguma política industrial com crédito direcionado para as pequenas e médias empresas e certos setores da indústria.
2. A agenda que acabei de descrever só pode ser levada à prática por um governo dotado de uma legitimidade democrática reforçada, o que só é possível mediante eleições antecipadas. A desastrada iniciativa de Cavaco e Silva teve apenas um mérito: obrigar o Partido Socialista (PS) a mostrar a sua alternativa. Ela é hoje mais clara. As medidas propostas pelo PS são muito positivas mas contêm uma contradição: pressupõem uma reestruturação da dívida que envolva o seu montante. Um acordo de incidência parlamentar com outros partidos de esquerda pode reforçar a legitimidade para avançar por aí.
3. O capital financeiro pressiona os Estados mas não o faz de modo uniforme. O poder executivo tende a ser mais vulnerável, logo seguido do parlamento. Já os tribunais, e, em especial, o Tribunal Constitucional (TC), são mais imunes a tais pressões. Os despedimentos na função pública e os cortes nas pensões são inconstitucionais e é de prever que o TC não se demita da sua função de último garante da coesão social e da democracia consagradas na Constituição.
4. O mais imprevisível pode, de repente, tornar-se o mais previsível. Refiro-me à revolta dos cidadãos nas ruas e nas praças, inconformados com a indignidade a que as instituições e os governos os sujeitam. Não há nenhuma sociedade que não conheça a palavra Basta!

II Simpósio Internacional Merleau-Ponty Vivo na (des)Colonialidades das Práticas, dos Saberes e Poderes



Arte de Claudyo Casares, artista plástico que tem desenvolvido uma arte voltada a temas da antropologia, cultura e arte popular, e tema polêmicos. Sua arte tangencia conceitos importante como o de quiasma utilizado por Merleau-Ponty. Claudyo desenvolveu releitura da Dança de Matisse, no I Simpósio Internacional Merleau-Ponty VIVO - aos cinquenta anos da morte do filósofo em 2011. Claudyo nos doa sua arte, numa condensação que retoma A Dança de Matisse, a uma arte sua premiada no exterior, denominada "O Jantar da Globalização". Esta composição contou com a computação gráfica de Matheus Aurélio. Será a arte de evocação do II SIMPÓSIO MERLEAU-PONTY VIVO NA (DES)COLONIALIDADES DAS PRÁTICAS, DOS SABERES E PODERES"
Prof. Luiz Augusto Passos

mais informações em breve!

Friday 2 August 2013

Biografia

Merleau-Ponty nasce em 14 de março de 1908, em Rochefort sur Mer, em França. Falece em Paris aos 53 anos, em 3 de maio de 1961, vítima de um ataque cardíaco. Estuda e gradua-se em filosofia na École Normal Supérieure em 1930; instituição onde conhece Jean Paul Sartre. Depois de exercer o cargo de professor nos Liceus de Beauvais (1931-1933) e de Chartres (1934-1935), é nomeado “agrégé-répétiteur” na École Normal Supérieure, onde ensina de 1935 a 1939.

Por: Fábio Di Clemente

Com a eclosão da guerra, serve o exército francês como oficial de infantaria. Desmobilizado o exército francês por causa da ocupação alemã, volta a ensinar em alguns Liceus em Paris. Durante a Segunda Guerra Mundial, com Sartre, forma um pequeno grupo chamado “Socialismo e liberdade”, para lutar contra a ocupação nazista. Terminada a guerra, passa a lecionar na Universidade de Lyon (1945). Com Sartre, em 1945 funda o importante periódico político-literário “Les Temps Modernes”; iniciativa editorial que causa em seguida entre os dois amigos tensões, silêncios, afastamentos. Em 1948, novamente com Sartre, Merleau-Ponty funda um novo partido político socialista, o RDR (Reunião Democrática Revolucionária), com o intuito de não se identificar nem com o comunismo, nem com o anticomunismo. O partido teve pouco êxito diante do então dominante PCF (Partido Comunista Francês).

De 1949 a 1952, leciona na Sorbonne. Desse ensino resultam cursos de grande abrangência, com ênfase em questões de relevância psicológica, psicanalítica, pedagógica, antropológica e sociológica. Em 1952, obtém a cátedra de filosofia no Collège de France, a maior instituição universitária francesa, onde leciona até o ano de sua morte. A filosofia de Merleau-Ponty alimenta-se, entre outras tantas fontes, do diálogo contínuo com a chamada filosofia clássica francesa e com Edmund Husserl e Martin Heidegger, assim como das pesquisas provenientes de outras áreas, entre as quais cabe destacar a psicologia (em particular, os estudos da psicologia da forma e da psicologia da criança), a psicanálise, a linguística (em particular, a de Fernand de Saussure), as pesquisas da física moderna e em âmbito biológico (em particular, os estudos zoológicos de Jakob von Uexküll, de anatomia do comportamento de George Ellett Coghill, de embriologia do comportamento de Arnold Gesell e Catherine Strunk Amatruda).

Como muitos outros jovens intelectuais franceses do final dos anos 30, interessa-se pela dialética de Hegel e do jovem Marx, cujos escritos conduzem a voltar, após a Primeira Guerra Mundial, à questão do humanismo. Mas, como poucos, empreende o caminho da “paciência do conceito”, para poder pensar o “conceito sem destruí-lo” nas várias áreas, como as das ciências naturais, sociais e humanas, da literatura, das artes plásticas, do cinema. Diante do “discurso confuso” da história, tanto da história das ideias como dos povos, lida com as descobertas científicas, reabilitando o diálogo com as “provocações” da ciência; atravessa as promessas contidas num “humanismo em expansão”, contra um “humanismo de compressão”, superando até mesmo o dualismo excludente interno à alternativa entre violência e não violência, entre valores e fatos, na vertente da violência capitalista e da violência comunista; enfim, persegue um grande projeto antidualista e antirreducionista, voltando até a pintura de Leonardo Da Vinci: pensada na obra do gênio italiano explicitamente sob forma de filosofia, essa pintura se tornou – ao ver do filosofo francês – o anúncio de uma frequentação dos inúmeros lados da Natureza, entendida como “solo” (Boden) da nossa relação antidualista e antirreducionista com os outros seres e entes. A fecundidade contida na  abrangência da interrogação merleau-pontiana pode ser apreciada hoje não apenas nas questões centrais da Filosofia, mas também em relação às ciências e a todos os outros saberes. Se, no passado, foi muito menos conhecido do que o amigo Jean-Paul Sartre, sobretudo desde as últimas três décadas, Merleau-Ponty é unanimemente considerado como uns dos maiores pensadores do século XX pela sua leitura crítica ‘radical’ da condição humana, cujo ‘impensado’ ainda precisa ser pensado.


Autor: Prof. Dr. Fabio Di Clemente (UFMT)

Thursday 1 August 2013

boaventura: Descolonizar el Saber. Reinventar el Poder


"Descolonizar el Saber. Reinventar el Poder." (Descolonizar o saber. Reiventar o Poder.) Livro digital completo em pdf para baixar gratuitamente.

O autor, Boaventura de Sousa Santos é Ph.D. em Sociologia do Direito na Universidade de Yale professor da Universidade de professor de sociologia na Universidade de Coimbra. Sua história recente é marcada pela proximidade com os organizadores de movimentos participativos e suas ações coordenando o desenvolvimento de um trabalho coletivo de pesquisa chamado "Reinventando a Emancipação Social: Para Novos Manifestos".

Só clicar:
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/Descolonizar%20el%20saber_final%20-%20Cópia.pdf